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Mostra Competitiva Oficial - Programa Narrativas

 

O que nos guiou na seleção das obras para esse programa foi uma força narrativa incomum com que esses trabalhos poderiam lidar. Mais do que uma simples funcionalidade, o que está em jogo  aqui é um poder de síntese entre rigor estético e dramatúrgico, partindo da criatividade que tanto buscamos em obras de realizadores que praticam suas experiências enquanto amadores/diletantes do cinema. Ou, acima de tudo, uma busca bastante digna e vigorosa por tudo isso. Se o erro aqui pode também nos interessar enquanto tentativa altamente instigante, é importante deixar claro que são filmes que escolhemos defender. Apostamos em suas escolhas e principalmente na maneira  em que esses trabalhos explicitam essa força narrativa em constante construção, às vezes um pouco aos trancos e barrancos, mas que, invariavelmente, alcançam sempre resultados – mesmo que às vezes indiretos – dos mais instigantes.

Talvez essa série seja, dentro da nossa competição, a que menos mantém uma relação temática óbvia entre as obras. A própria ideia da narrativa é bastante relativa e de difícil conceitualização, não sendo necessariamente a ideia de uma história convencional a ser contada, mas, ainda assim, podendo digredir para uma operação de imagens em que um questionamento ou um conceito imagético é mais relevante que a história em si. Se pensarmos por exemplo em No final do mundo, temos esse limite imposto, o filme, enquanto registro bastante bruto e observacional, vai, aos poucos, se reconfigurando como uma narrativa quase apocalíptica – com seu último plano paradigmático e esclarecedor de sua posição neste programa. Olhares parece também transitar muito bem nesse limiar – não assistimos exatamente a uma história, mas somos inseridos em um ambiente que parece muito mais interessado em discorrer sobre a sintomática obsessão de um garoto pelo registro e, de tempos em tempos, pincelar alguns personagens que servem de matéria-prima para esse olhar inocente e faminto do personagem.

Pensando sobre os trabalhos que tiram da história em si – e sua movimentação altamente possibilitadora – suas principais força, Fim de Semana de sim, Bode Movie e O Muro mantém um diálogo indireto, porém, intenso. Em Fim de semana de sim, a tensão gerada por uma viagem e os possíveis embates de duas crianças, revela uma complexidade sentimental forte e agressiva a partir da exclusão. Bode Movie, por sua vez, tira sua força da misteriosa relação entre um homem e um animal, a estranheza que brota do ambiente parece contaminar o personagem em sentidos que vão além de um entendimento racional. Em uma direção bastante oposta, O Muro é um retrato singelo que através do espontâneo expõe uma relação simples e comovente. Filmes aparentemente muito distintos, mas que se mantém lado ao lado ao passo que escolheram na narrativa, no contar ilustrativo e sempre rico, possibilitar uma experiência humana.

Indo em direção a um rigor quase austero, em que o automatismo trabalha em prol da funcionalidade narrativa, Ano zero e No Noel são obras que buscam sua totalidade na precisão formal. O mimetismo do último, em choque com o mecanismo obsessivo do primeiro. Eventos talvez improváveis mas que se mostram belos exercícios de exatidão e síntese.

Trabalhos que, no geral, espelham uma diversidade rica e saudável. O narrar não se limita a uma mesma forma, pelo contrário, faz de suas múltiplas possibilidades formais um instigante e intenso painel de pluralidades.

Ainda assim, seria muito fácil nos refugiar na diversidade dos obras que chegaram, por isso escolhemos também reconhecer certas temáticas, mais precisamente nos programas #2 e #3 da nossa competição, em que, respectivamente, identificamos a ideia do procedimento como forma reveladora, e da juventude como temática sócio-afetiva igualmente urgente.

Alexandre Rafael Garcia e Arthur Tuoto